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26/08/2011

Capítulo Cinco


O corpo de Alice doía. Tinha a sensação de que até suas pálpebras estalariam se ela tentasse abrir os olhos.
A verdade é, ela acordou mais cansado do que quando dormiu. Ou tentou dormir. As pedras eram muito duras, o ar noturno era muito frio, insetos e pequenos roedores corriam de lá para cá naquelas ruínas... Isso sem falar que ela estava faminta, e a fome deixava uma sensação estranha na sua boca.
Rolou um pouco, de forma que pudesse ver atrás de si, e se surpreendeu ao ver que Hans sumira.
Levantou-se e sentiu alguns ossos estalarem apenas com esse movimento. Olhou a sua volta e começou a ficar preocupada. Ele havia ido embora. Ele a havia deixado para trás, dentro de umas ruínas, com fome, sede e sem dinheiro!
Como alguém conseguia ser tão covarde?!
—Ah, você acordou. -A voz do rapaz chamara a sua atenção, juntamente com uma fruta que caiu em cima de sua cabeça. Ela a pegou antes que caísse no chão e olhou para cima, vendo Hans se inclinando diante o buraco no teto. -Acha que consegue subir sozinha?
—Claro que sim. -Alice revirou os olhos verdes, fazendo um gesto de falso desprezo com uma das mãos. -Não está vendo a minha cara de ninja que consegue pular cinco de altura e dar um duplo twist carpado no ar? Claro que não! Aliás, como você chegou até ai?!
—Você aprende muito morando nas ruas. - Hans respondeu em um tom que Alice quase não conseguiu ouvir. Logo depois, uma corda deslizou pelo buraco até chegar a jovem, balançando na frente da mesma. -Segura ai que eu te puxo.
A garota olhou para cima, sem saber se poderia acreditar nele. Era bem capaz de ele simplesmente largar a corda quando ela se segurasse e deixá-la lá, para sempre.
—Eu não vou te abandonar aí, droga. -Hans acenou com uma das mãos, mostrando que estava segurando a corda. -Mas até que não me parece uma ideia tão ruim assim...
Eu já estou subindo! -Alice exclamou, pegando na corda antes que o prateado tivesse a chance de realmente soltar a corda e deixá-la para trás, somente com uma mísera maçã (ou pelo menos parecia muito uma maçã, tirando o fato de que era violeta e era mais arredondado... Mas vamos dizer que era uma maçã) para comer pelo resto da vida.
Encaixou o talo do fruto entre os dentes e segurou bem firme na corda, dando sinal que Hans poderia puxar. Foi sendo erguida rapidamente e, quando deu por si, já estava fora do buraco, sentada no chão poeirento das ruínas ao lado do rapaz.
—Foi rápido... -Comentou surpresa, olhando para Hans. E ficou ainda mais surpresa ao perceber que ele não parecia nenhum pouco cansado. Estava em pé, tranqüilo, enrolando a corda e deixando-a em um canto qualquer.
—Você é muito leve. -Hans comentou, espanando as mãos enquanto se virava para ela. -Está comendo direito?
—Eu estava, até vir parar aqui e você me deixar morrendo de fome... -Alice respondeu emburrada. Encarou a fruta em suas mãos. O cheiro era tão doce e suave. Parecia-se com essência de baunilha. A fome também não ajudava.
Quando começaram a andar, ficou só olhando para o fruto, se perguntando se era ou não comestível. Ora, quem garantiria que ele não queria se livrar dela?
Mas acabou não resistindo e comeu um pedaço. Era crocante, mas também era macio, parecendo mesmo com uma maçã madura. Tinha um gosto que parecia bastante com milk-shake de morango com... Menta? E também deixava uma sensação gostosa na boca, como se estivesse bebendo refrigerante.
—Wah, que gostoso! -Exclamou, os olhos brilhando e abocanhando mais um pedaço. Sem nem terminar de mastigar, se virou para Hans. -O que é isso?
—Uma fruta. -Ele respondeu, sem se virar para ela.
—Que fruta? -Alice engoliu o pedaço que estava na boca e limpou o suco que escorria pelo queixo. A verdade é que já se acostumara com essa parte do Hans de sempre levar ao pé da letra cada pergunta que ela fazia.
—Essa que você está comendo. -Hans se virou para ela e apontou a fruta nas mãos da jovem. -E bem rápido, por sinal. -E voltou a andar.
—Eu to falando sério. -Grunhiu em resposta, se segurando para não tacar aquilo na cabeça dele. Mas estaria duplamente encrencada se o fizesse, perdendo o único alimento e única companhia simultaneamente, então...
Continuaram andando por algum tempo, em silencio. Hans não fazia questão de começar uma conversa, e Alice estava ocupada demais comendo aquela fruta. Começou a abrir a boca para tentar perguntar o nome daquilo que comia, mas ele foi mais rápido.
—Lillape. -Percebeu o silêncio e chegou a conclusão de que ela não havia pegado a ideia. -Isso aí que você está comendo é uma lillape.
—Ah... -Alice murmurou. Olhou para o caroço da fruta e pressionou os lábios. Nem percebera que tinha acabado tão rápido. Apertou o passo até poder ficar do lado dele e o cutucou. -Tem mais ai?
—Não. -Curto, direto e simples.
Alice abaixou a cabeça, derrotada. Não que ainda estivesse morta de fome. Na verdade, estava mais para gulosa. Queria mais lillape, e sua boca salivava só de pensar naquilo.
—Eu estava pensando... -Hans começou pensativo, olhando para nada em especial. Nem sabia por que começara a pensar naquilo, mas não conseguia deixar de ficar curioso. Virou-se para Alice e continuou. -Você é mesmo de outro mundo?
—Sou. -Ela respondeu timidamente. -Por quê?
—Não parece. -O prateado deu de ombros, tentando parecer desinteressado. -Sabe, você está reagindo com a mesma naturalidade de quem cresceu aqui. E talvez um pouco mais.
—Está falando do dragão? -Alice olhou para ele, surpresa. Sem encará-la, assentiu. A morena se voltou para frente e pôs um dos dedos no queixo, pensativa. -Agora que você falou... -Parou, obrigando-o a parar também. -É mesmo meio estranho.
—Ah, você acha?
—É que eu sempre sonhei com este lugar, desde pequena. -Ela olhou para cima, ainda com a pose pensativa. Fechou os olhos e continuou a falar, parecendo distante e reflexiva. -Então, ficar aqui é como por em prática tudo aquilo que eu treinei durante tantos anos. Eu nem sei direito se isso é real ou se é só mais um sonho... -Abriu as pálpebras, um brilho esperançoso em seus orbes verdes. Tocou levemente no rosto com as pontas dos dedos, cobrindo o sorriso leve que se formava. -Mas eu não quero acordar na minha cama e descobrir que não passa de mais um para a coleção. Quero muito que isso seja real.
Hans a fitou com seus olhos cor de limão. Aquele jeito de falar, o olhar... Até a aparência. Tudo isso lhe era desagradavelmente familiar, e lhe trazia lembranças não muito alegres.
Suspirou pesadamente. Não deveria começar a pensar no passado, não enquanto estivesse com ela. Droga. Será que a vila ainda estava longe? Se continuassem nesse ritmo, não iriam chegar nunca, e seria mais tempo tendo de aturá-la...
Sorriu. Aquela era a deixa perfeita para fazê-la ficar quieta, se divertir um pouco e, quem sabe, não acabava fazendo-a ir embora?
—Isso não é um sonho. -Hans segurou o ombro de Alice, fazendo-a se virar para ele. Sorriso suave, olhos tranqüilos... A garota ficou levemente surpresa com essa visão. -Se quiser, eu posso provar. É só fechar os olhos.
—É mesmo?! -Ela sentiu as bochechas corarem. Não era possível evitar, seus rostos estavam próximos. Muito próximos.
Próximos demais.
“Por favor, que não seja o que eu estou pensando!” pensou com todas as forças, fechando os olhos bem apertados. O coração palpitava e ela não sabia direito como reagir “Nós acabamos de nos conhecer!”
Hans teve que fazer muita força para não rir da cara dela. Os olhos espremidos, as bochechas vermelhas, os lábios reprimidos em uma linha... Ela estava caindo! Ele respirou fundo, se preparou psicologicamente para a dor que iria vir...
...E bateu com tudo sua testa na dela.
Alice deu um grito de dor enquanto se afastava, esfregando o lugar onde Hans batera. O prateado esfregou a própria e sorriu levemente, divertido. Vitória.
—Se quiser sonhar, durma a vontade! -Ele exclamou, fechando um dos olhos enquanto se esforçava para não demonstrar sinal de dor profunda. Se virou e fez que iria voltar a andar sem ela. -Já falei, eu sou um lobo solitário! Não ando em grupo!
—Seu idiota! -Alice agarrou o braço do rapaz, o impedindo de continuar e continuou com a mão livre sobre a testa que agora latejava. -Por acaso mijou no seu cérebro enquanto eu não estava olhando?! Não pode simplesmente bater em alguém mais fraco do que você!
—Se não gosta, pode ir embora! -Hans se livrou da mão dela com um movimento brusco. -Você já tem um wapen, não está mais indefesa assim!
—Eu sei quase nada sobre esse lugar além do básico sobre os wapens! -A morena choramingou enquanto esticava o braço, mostrando o pulso enfeitado pela pequena corrente que encontrara nas ruínas. -Nem sei como que se usa isso! Não pode me deixar assim!
—Escuta aqui...! -Ele começou, já se virando e ficando cara a cara com ela. Iria continuar, mas logo foi cortado por uma terceira voz, de uma terceira pessoa que eles nem haviam visto se aproximar.
—Com licença?
—O QUE FOI?! -Os dois se viraram irritados para a direção da voz, se deparando com uma jovem loira com os fios que ficavam pouco acima dos ombros. Os olhos violetas da garota estavam arregalados com o susto, e uma pequena criatura redonda, com pelos alaranjados e orelhas bem compridas, repousava em seu ombro.
Sem jeito, Hans e Alice se afastaram, parecendo ligeiramente mais calmos. A loira olhou de um para o outro e soltou uma risadinha discreta.
—Vocês parecem ter certo problema de convivência... -Ela comentou, parecendo se divertir com a situação. -Não querem falar sobre isso e ver se tem alguma solução?
—Bom... -Alice começou, cruzando os braços. -Ele...
—Ela é uma bebezona covarde que fica choramingando por aí que tem medo de ficar sozinha. -Hans a cortou, apontando para a morena como que se falasse o óbvio.
—Quem você esta chamando de bebezona covarde?! E quando foi que eu chorei?! -Alice berrou para ele com os punhos fechados, começando assim outro bate boca com o acompanhante.
A jovem fitou aquilo com uma expressão séria. A criaturinha peluda em seu ombro abriu um dos pequenos olhos na direção da dona. Suas orelhas, até então caídas, se levantaram um pouco.
—Mayumi... -sussurrou com sua voz fininha. Quando a jovem virou o seu rosto para o pequeno ser, continuou. -Esse não é o rapaz da recompensa, dai?
—Tatuagens, cabelo prateado, wapens em todos os lugares possíveis... -Ela respondeu em mesmo tom, se voltando para aqueles dois que ainda discutiam. Dessa vez ia ser bem fácil. -Sim, Daidai. É ele.
—E como vai fazer para levá-lo, dai?
—Observe. -Mayumi sorriu e piscou um olho para a pequena mascote.
Daidai se aconchegou novamente no ombro da dona. Ela arqueou uma das sobrancelhas douradas na direção de Alice e Hans. Mayumi nem prestava muita atenção no que eles gritavam ali, sabendo que era algo inútil e sem sentido algum. Tudo o que se preocupava era em tentar refazer uma atmosfera agradável e gentil.
—Ora, ora... -Ela sorriu sem graça, vendo quando eles pararam e cruzaram os braços, um de costas para o outro. -Parece que vocês têm um certo... Problema de convívio... -Mayumi se virou para Alice, um sorriso compreensivo no rosto. -Você é mesmo uma bebezona chorona e covarde que tem medo de ficar sozinha?
—Claro que não! -Alice exclamou, o rosto enrubescendo quando ela se virou revoltada para a loira. Em seguida encolheu os ombros e virou a cara, emburrada. -Ele que é um idiota rabugento que não quer ajudar uma garota indefesa!
—Isso é verdade? -Mayumi se virou para Hans, com uma expressão de surpresa.
—Claro que não! Essa daí que é uma dramática. -Ele respondeu meio irritado, fechando os olhos e franzindo as sobrancelhas. -Eu nem faço questão de ficar andando com ela! Ela só está aqui porque quer!
Mayumi olhou para Daidai em seu ombro, com um sorriso discreto que nem Hans e nem Alice notaram. Deu um pigarro e se voltou para eles.
—Não sei o que aconteceu para vocês ficarem assim... -Mayumi revezou o olhar entre Alice e Hans. Nem precisou se esforçar muito. Eles mesmos já estavam ansiosos para se verem livres um do outro. -Mas não é saudável vocês continuarem juntos. Pessoas incompatíveis, quando brigam, tendem a acabar fazendo algo irresponsável, como se matarem...
Hans e Alice se voltaram para ela. Já sabiam onde a conversa ia levar, e até que estavam interessados naquilo.
—Pelo bem de vocês, é melhor se separarem, mesmo que temporariamente. -Continuou, colocando as mãos na cintura com um sorriso satisfeito. -E então? O que me dizem?

05/08/2011

Capítulo Quatro

Hans engoliu em seco e lentamente colocou a caveira no chão, sem deixar de encarar os olhos dourados de um réptil. A respiração do dragão em sua cara era quente, e tinha o cheiro de... De...
Morte.
Alice estava concentrada demais naquela caixa para prestar atenção em qualquer coisa. Quando estava frente a frente com ela, mal conseguia respirar. Tinha a ansiedade de saber que objeto era aquele.
E também tinha o fedor de um lugar que ficou fechado por sabe-se lá quanto tempo. E a poeira. Céus, aquilo sufocava!
Já estava quase tocando o pequeno baú quando sentiu algo lhe batendo no tornozelo. Aquele objeto estranho causava uma sensação paradoxal nela. Era frio, mas também era quente. Era escamoso, mas também era liso. Era seco, mas também era úmido. Obviamente, Alice nunca sentira nada do tipo antes.
Temerosa, foi abaixando o rosto para poder saber o que era aquilo e como conseguia causar tantas sensações opostas ao mesmo tempo. Seus olhos encontraram algo grosso, comprido, coberto de escamas cor de musgo. Olhou para trás de si e viu que continuava um pouco, se afinando. Foi seguindo a extensão com o olhar e viu o objeto estranho se engrossar em algo que parecia uma enorme traseira com enormes patas, um dorso com asas...
E viu Hans, do outro lado da sala, imóvel, com o rosto enorme de um lagarto colado no dele.
—Não acredito... -Ela acabou falando alto demais, se esquecendo do baú. -É um dragão de verdade!
Hans olhou para ela com um movimento brusco demais. Isso claramente alertou o dragão, que começou a rosnar. O ladrão se assustou com o barulho que ouvia e se virou para o monstro a tempo de o vê-lo abrir a boca e começar a soltar algumas faíscas.
“Fudeu” foi o que Hans pensou (a única coisa que ele pensou, aliás) quando saiu correndo até Alice e a puxando pelo pulso enquanto fugia da labareda de fogo que o réptil soltava. Primeiro foram na direção da porta, a única saída que tinha por lá.
Mas, vejam bem, aquela não era exatamente uma porta comum.
Milhares de anos atrás, quando antigos monges construíram aquele e outros templos, queriam um local suficientemente seguro para aquele tesouro. Mas, talvez, somente colocar um dragão de guarda na sala não seria o suficiente para tal.
Por isso, com toda a magia que conheciam na época, desenvolveram uma porta que pode ser facilmente arrombada, mas que em pouco tempo se regenerava. Assim, o azarado que tentasse roubar aquele artefato poderia entrar, mas iria se arrepender profundamente nos poucos minutos que lhe restavam.
E é mais ou menos nessa situação que Alice e Hans se encontram agora.
—O que a gente faz agora?! -Alice choramingou para o rapaz, depois que já tentaram empurrar a porta para ver se ela continuava destrancada. Nada, nenhum um movimento se quer.
Hans, ao ver que o dragão já estava se preparando para um próximo ataque, pegou no pulso de Alice e correu com ela para o outro lado, fugindo de mais labaredas. Nunca enfrentara nenhum dragão. Não fazia a menor ideia de como fazê-lo. Por isso, pela primeira vez em muito tempo, ele sentia medo.
—Vamos tentar pensar em alguma coisa. -Hans falou, mais para ele mesmo do que para a garota. Mas não é preciso ser gênio para ver que não acreditava nas próprias palavras. Sentia que iria acontecer alguma coisa ruim, mas a esperança é a última que morre.
Alice estava a beira de um ataque de lágrimas. Estava em pânico. Fazia poucas horas que estava naquele mundo e já iria morrer?
Eu posso ajudar...” uma voz ressoou em sua cabeça, causando um efeito estranhamente tranqüilizante. Era tão calma, tão pacífica... Tão familiar. “Tudo o que você precisa é o que está dentro daquele baú.” Alice poderia jurar ter visto uma mão delicada e transparente apontando para o pedestal.
Ir até lá poderia ser perigoso. Custaram a encontrar um lugar onde o dragão não alcançava, por ser grande demais e...
E ela já estava prestes a morrer de qualquer forma, então, que se foda.
Saiu correndo de perto de Hans, que ficou assustado com o gesto, e foi o mais rápido possível na direção do objeto. Mas não foi só o ladrão que prestou atenção nisso.
O dragão seguiu Alice o máximo que seu corpo permitia, o que não é muito quando se ocupa um terço do lugar em que se está. Com uma das patas, tentou bloquear o caminho da garota, mas tudo o que essa fez foi cair, rolar, se levantar e continuar correndo, como quem já está acostumada.
Hans viu quando o monstro se preparava para mais uma jorrada de fogo na direção de Alice. E alguma coisa, talvez a consciência dele, o fez reagir. Retirou um dos anéis e, em um piscar de olhos, estava com uma espada dourada em mãos.
Convocar armas é ligeiramente mais simples do que convocar guardiões, como você já deve ter notado, por isso a rapidez.
Discretamente, foi na direção do dragão e, com toda a força que tinha, cravou o wapen no pé do animal, um líquido escuro e espesso saindo da ferida. Sangue.
A sensação do réptil foi de como quem tem uma farpa no calcanhar, coisinha besta. Mas não pode negar que doeu. E quem causou aquilo tinha que ser eliminado rapidamente.
É. Hans acabou de ajudar Alice, quando ele mesmo falou que não ia fazer nada a respeito. Surpreendente, não?
Sem nada a perder, Alice agarrou a caixa e foi até o canto da sala, esperando estar fora do alcance do animal, em qualquer sentido que se imagine.
“Muito bem, voz na minha cabeça” ela pensou com a maior força que pôde “Tem uma tranca aqui. Se não andar rápido, o Hans vai morrer e eu sou a próxima. E agora?”
Eiken.” Alice não fazia a mínima ideia do significado daquela palavra que veio em resposta. Talvez fosse algum feitiço, ou uma palavra chave qualquer daquele mundo.
O que importa é que a caixa se abriu, dando um estalo alto ao ser destrancado.
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Um evento curioso aconteceu por toda a Traum Garten, naquele exato momento em que o clique ressoou pela sala. Algo que, por mais que pareça inútil agora, pode ser de extrema importância no futuro.
A começar, por aquela parede que chamara a atenção de Hans. Uma das pedras, localizada perto daquela ilha por algum erro decorativo no passado, começou a emanar um brilho do mais puro branco.
E por todos os continentes, cinco templos ativos nas capitais tinham uma parede idêntica àquela. Seja nos desertos de Orken Verano, ou nas montanhas geladas de Zima Valley, a pedra sobre o desenho da mesma ilha emanou o mesmo brilho em cada um deles.
Uma movimentação incomum tomou conta dos monges, profetas e toda a sorte de visitantes que por acaso estavam lá. Os desavisados achavam que algo errado estava acontecendo. Os mais sábios sabiam que algo errado estava acontecendo. E os profetas sabiam que nada de errado estava realmente acontecendo, mas que deveriam se preparar.
Algo grande estava para acontecer. Muito grande.
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As paredes continuaram a ecoar aquele clique da tranca sendo aberta.
O dragão estava prestes a pisar em Hans e esmagá-lo como se fosse um inseto quando ouviu o barulho. Olhou rapidamente ao seu redor e viu Alice colocar a mão sob o tampo do baú, prestes a abrir o tesouro.
Não podia deixar. Tinha de impedir. Deixou o rapaz de lado e foi na direção da Alice, que começava a se encolher na parede. Algo quente foi se acumulando em sua garganta, preparando para o ultima ataque, quando ele viu.
Atrás da garota, o espectro de uma jovem sorria. O rosto era até parecido com a garota na sua frente, mas os longos cabelos eram dourados e flutuavam, e os olhos azuis brilhavam com gentileza.
Ele já não era mais útil ali. Já cumprira sua missão e podia ir embora. E era isso que o espectro lhe dizia.
Com um guincho alto que quase ensurdeceu os dois adolescentes naquela sala abandonada, ele abriu as asas já enferrujadas e começou a levantar vôo. Ficou batendo com as costas no teto até que esse abrisse um buraco e ele pudesse voar para longe, experimentando a luz do Sol e o ar fresco pela primeira vez em muito, muito tempo.
Hans olhou para Alice, abismado. Claramente, não havia visto a mesma coisa que o dragão. Tudo o que ele havia assistido era a mesma garota que ele conhecera de manhã, e somente ela. E um bauzinho que praticamente quase os matou, mas isso é detalhe.
—O que você fez? -Ele perguntou, se levantando e indo na direção dela. -Quase que a gente morre, sabia?
—A gente ia morrer de qualquer jeito. -Alice se levantou, colocando a caixa debaixo de um dos braços e espanando a calça com a outra mão. -Só segui as vozes na minha cabeça.
—Vozes na... -Hans achou que estava ficando com problemas de audição. Se bem que, depois daquele dragão, não ficaria surpreso se realmente estivesse. Sacudiu a cabeça prateada e se abaixou um pouco, para poder olhar Alice nos olhos. -Você é esquizofrênica?
—Er... -A morena ficou surpresa com tal aproximação. Olhou para os lados, pensando no motivo daquela pergunta. -Não?
—Comeu algo estranho antes de vir para cá? Usa drogas?
—Não! Na verdade... -Ela começou a responder, as bochechas corando levemente. Mas foi subitamente interrompida por um ronco vindo direto de seu estômago. As bochechas ficam de um tom escarlate e ela abraça a barriga, envergonhada, deixando o baú cair no chão. -Eu não como nada desde o café da manhã... Muito obrigada por me lembrar que eu estou morrendo de fome.
Um momento de silêncio.
Os cantos dos lábios de Hans começaram a tremer enquanto ele os reprimia, cobrindo-os com uma das mãos e virando o rosto. Tentava disfarçar os barulhos que vinham, mas logo não resistiu e começou uma pequena risada involuntária, abrindo um sorriso que Alice nunca imaginaria que alguém como Hans pudesse dar.
E então ele simplesmente estourou em gargalhadas.
Alice ficou com as bochechas ainda mais vermelhas e apertou ainda mais os braços delicados contra a barriga. Por mais que tentasse, não conseguia tirar os olhos da expressão de Hans.
Ele estava se divertindo as suas custas! E na pior hora possível.
—Qual a graça?! -Ela perguntou, sem deixar de ficar um pouco irritada pela risada repentina.
—Tudo! -Hans continuou rindo. Não com a mesma intensidade de antes, mas com o mesmo brilho nos olhos e com vestígios no sorriso. -Você tem noção de o quanto a sua cara foi engraçada?
Alice olhou para baixo imediatamente, envergonhada. Seus olhos pousaram novamente no baú que deixara cair e se abaixou para pegá-lo.
—O que você acha que tem aqui? -Perguntou para Hans, que já tinha se acalmado consideravelmente. -Sabe, para aquele dragão querer proteger com tanta determinação?
—Você que abriu. -Ele arqueou uma das sobrancelhas prateada. -Ainda não viu?
—Não fui eu que abri, foi... -“A voz na minha cabeça”. Mas Alice pensou bem, e achou que aquela frase em especial a faria parecer um pouco mais doente na visão dele. Olhando agora, fora aquela frase que resultara em uma conversa totalmente fora do clima. -Não, eu ainda não vi.
—E você sabe o que espantou um dragão como aqueles? -Hans olhou para cima, se deparando com o buraco no teto e com o céu começando a se tingir de laranja pelo final da tarde. Era incompreensível. Em um segundo, o dragão estava determinado a matá-los. Em outro, ele foge como um gatinho assustado.
—Menor ideia... -Ela respondeu, acompanhando o olhar do rapaz e suspirando levemente. Olhando agora, ter sido quase morta por um dragão por causa de um baú era divertido. Era exatamente como em seus sonhos.
Houve um breve momento de silêncio, em que os dois olhavam para o teto destruído, pensando no que acabaram de vivenciar. Estiveram um passo de distancia da morte certa, mas algum milagre os salvou.
E aquilo já estava ficando meio constrangedor...
—Então... -Hans quebrou o silêncio, apontando para o baú. -Vai ou não abrir essa coisa?
—Ah, sim!
Ansiosa e com as mãos tremendo, Alice levantou a tampa. O que será que tinha lá dentro? Talvez ouro, jóias... Mas então se lembrou de onde estava e logo pensou no mais possível de acontecer: Poderia ter um wapen lá dentro.
E acertou. Uma pequena corrente dourada com cinco pingentes em formas de losangos bem detalhados. Alice teve a ligeira impressão de que tinha algo faltando ali. Talvez fossem os encaixes redondos nos losangos, ou talvez fosse a extrema simplicidade para algo tão bem protegido... Mas achava que estava incompleto de certa forma.
—Meus parabéns, você conseguiu um wapen. -Hans suspirou aliviado por ter supostamente (peço uma atenção especial a essa palavra) se livrado dela mais rápido do que o planejado. -Posso ir embora agora?
—É mesmo um wapen? -Ela piscou algumas vezes, curiosa. Estava com medo de pagar a idiota e no final não passar de uma pulseira comum.
—Não, é uma fada, ela vai amaldiçoar você. -Ele revirou os olhos e deu um peteleco na testa da garota. -Claro que é um, sua tonta!
—E como é que se usa isso?
Hans prendeu a respiração. Por um momento, por um breve momento, esquecera que ela não era natural de Traum Garten. Tinha até se esquecido de que aquelas roupas não eram normais e que ela não sabia usar wapens.
E sentia que lá vinha bronca.
—A propósito... -Bingo. -Você vai mesmo deixar uma garota que não sabe nem mesmo usar o wapen (que acabou de ganhar, aliás), sem um dinheiro sequer e morrendo de fome sozinha na floresta?!  -Alice colocou as mãos na cintura, indignada e sem largar a corrente. -Que covardia é essa?!
—Está bem, droga! -Ele grunhiu, fechando a cara e dando as costas, indo na direção da porta agora aberta. -Mas só até chegar a vila, aí é até nunca mais!
—Que seja! -Suspirou em resposta, seguindo-o pelo corredor devastado em busca de uma saída. Quando olhou para cima e viu o céu totalmente tingido de laranja por um dos buracos, ficando apreensiva. -Fica muito longe?
—Algumas horas daqui... -Hans respondeu, olhando para cima. -Vamos ter que dormir por aqui.
—Por aqui?
A resposta foi quase que imediatamente. Sem pestanejar, Hans se deitou no chão e se virou para a parede, ficando de costas para Alice. E tudo o que ele falou foi um “Boa Noite”.
Alice piscou algumas vezes para saber se estava vendo direito. Se havia entendido direito. Ele não podia estar falando sério.
Olhou para o teto, bem a tempo de ver algumas pedrinhas cederem e caírem. Colocou uma das mãos sobre a barriga, sentindo e ouvindo ela dar um leve ronco, protestando por comida. Olhou para Hans, encolhido como se dormir dentro de um templo em ruínas fosse a coisa mais normal do mundo.
—Um ser humano agüenta em média 27 dias sem comida e três dias sem água. -O rapaz falou, levantando uma das mãos como sinal de vida. -Você agüenta até amanhã de manhã.
“Carol... Lorena... Tia Jamie...” Alice pensou, olhando para cima e segurando as lagrimas “EU QUERO IR PARA CASA!”

28/07/2011

Capítulo Três

Não se afaste de mim. -Hans ordenou, pegando a mão de Alice, obrigando-a a parar e virando-a para que ficasse de frente para ele. -A qualquer sinal de perigo nós vamos embora. E, pelo amor dos deuses, olhe por onde anda!
—Sim, senhor. -Ela respondeu em um resmungo, encolhendo os ombros e desviando o olhar. Mas estar com ele era, pelo menos, melhor do que ficar sozinha.
Os dois passaram por estátuas quebradas, deram voltas em buracos profundos no chão e pilastras partidas ao meio. Hans permanecia atento a qualquer movimento estranho. Alice, mais distraída impossível.
Quando adentraram no que um dia foi a base do templo, mas que agora não passava de um grupo de paredes com restos de um possível teto, ela foi correndo até a maior delas e apontou para o desenho que enfeitava ela.
—Não me diga que você também não sabe o que é um mapa? -Hans nem deu tempo para Alice perguntar, o que a irritou um pouco.
—Deixa de ser idiota! -Ela queria gritar, de verdade. Mas tinha medo de que, se aumentasse o tom de voz, as paredes e os restos de teto decidissem terminar de cair de uma vez. -É o mapa de quê?
—Traum Garten.
—Que seria...? -Alice fez um gesto com a mão, para que ele continuasse. Por favor, ela não iria adivinhar!
—Esse mundo.
—E onde nós estamos?
—Em Have Forar. -Hans respondeu, se aproximando dela e apontando para o continente mais ao norte. -Sendo mais específico, estamos... -Seu dedo foi deslizando pela parede até alcançar a menor ilha perto do que chamara de “Have Forar”. -Aqui, perto da vila de Brackem. A única vila por aqui, na verdade.
—Ta zoando com a minha cara que estamos no meio dessa titica de átomo aí!  -Alice arregalou os olhos verdes e ficou olhando de Hans para o mapa. Era tão ridiculamente pequeno que ela admite ter ficado decepcionada. -E o que é que você está fazendo em um lugar como esse?
—Acompanhando uma idiota que acha que está em uma excursão escolar.
Pausa. Não era bem isso que ela esperava como resposta. E, ela admite, ficou ligeiramente irritada em ser chamada de idiota.
—A sua sorte, Hans, é que eu não tenho nada que eu possa usar para matar você agora. -Ela pensou alto, saindo de perto e indo olhar as outras paredes, em busca de algo interessante para se ver.
Hans continuava olhando o mapa, passando os dedos sobre as linhas já desgastadas. Unindo as sobrancelhas, sem entender um pequeno detalhe: Sete pedras preciosas espalhadas pelos continentes. Pelo menos, quatro delas estavam no centro dos quatro continentes. Mas as outras três...
Uma ele sabia que se referia ao continente submarino. Mas por que as outras duas estavam em lugares tão afastados?
—HANS!! -O grito de Alice o tirou de seus pensamentos, fazendo-o se virar por impulso e se deparar com a cena, no mínimo cômica, de Alice tentando se segurar na borda de um buraco e com os olhos pidões. -Me ajude...
—Eu falei para olhar por onde anda. Agora se vira. -O rapaz respondeu com desprezo para ela, voltando a sua atenção para a parede. -Se serve de alguma coisa, usa essa trepadeira aí ao seu lado como corda.
Essa foi a gota da água para Alice.
—VOCÊ É UM EGOISTA INÚTIL! -Ela gritou, se esforçando para deixar os braços sobre o chão.
—Se não fosse assim... -Hans respondeu, sem tirar os olhos da construção e levando uma das mãos ao queixo.  -... Eu não seria um ladrão, não acha?
Hans não conseguia deixar de se perguntar por que aquelas pedras lhe chamavam tanta atenção. Se fossem só nos continentes, faria sentido, já que poderiam ser as capitais. Mas aquelas duas extras que bagunçaram com a mente dele.
Enquanto isso, Alice se esforçava para alcançar a trepadeira que Hans apontara. Estava a poucos centímetros de distância, mas para quem tem que se arrastar com os braços sem cair, pareciam metros. E, finalmente, depois de muito esforço e equilíbrio, ela conseguiu esticar a mão até a planta.
O que teria sido ótimo, perfeito, se o caule não tivesse arrebentado. E isso a fez perder o pouco equilíbrio que lhe restava, o que resultou em... Ah, ela caiu! Precisa de mais detalhes?
—HANS, SOCORRO! -O grito de Alice chamou a atenção do rapaz novamente.
Quando ele olhou e percebeu que ela havia sumido, foi correndo até o buraco para verificar o que havia acontecido, embora fosse mais do que óbvio que ela havia caído. Caso contrário, não estaria sentada no chão esfregando as mãos para tirar as folhas que ficaram presas.
—Mas o que... O que você aprontou agora?! -Hans gritou para ela, se ajoelhando na borda do buraco.
—Olha, grisalho, vou te explicar. -Alice suspirou fundo e começou a falar, ignorando o olhar mortal que ele lhe lançou ao ser chamado de “grisalho”. -Existe uma coisa que se chama gravidade. A gravidade atrai tudo para o chão. Se não tiver nenhum chão sob seus pés, a tendência é você ir para o chão mais próximo, a menos que você seja um pássaro, uma borboleta ou o Super-Homem e possa voar. -Nisso, ela se levantou e começou a espanar a calça para tirar a poeira, nem se importando de ter sofrido uma queda de 5 metros de altura sem ter sofrido nenhuma lesão. -Ou você realmente acha que eu gosto de cair em buracos?
—Acho que você gosta de me irritar... -Ele respondeu, esfregando a testa com os dedos e um sorriso forçado nos lábios. -O que faz muito bem por sinal.
Alice revirou os olhos e deu uma olhada ao seu redor. Tinha uma parede bem atrás de si, e outras duas e continuavam paralelas até alem da vista. Um corredor, iluminado pelos buracos no teto que pouco antes era seu chão.
“Bem que eu estranhei que eles estavam meio alinhados” pensou. Observou as folhas secas que estavam no chão balançarem delicadamente e flutuarem na direção da parede de trás. E seu próprio cabelo balançava com aquela brisa que vinha de lugar nenhum.
—Hans, tem um túnel aqui! -Anunciou, olhando para cima e com um sorriso estampado no rosto.
—E...? -Em contrapartida, Hans não via nada de extraordinário ou emocionando em um túnel velho de um templo que já caiu aos pedaços.
—Para onde você acha que ele leva? -Alice perguntou mais para si mesma, olhando para frente e começando a seguir o caminho. Era como se algo a chamasse, a puxasse. Era mais forte do que ela, simples assim.
—Ei, para onde você está...?! -Hans começou a perguntar, a seguindo com os olhos verdes. Percebendo que ela nunca iria escutá-lo, muito menos responder, já se pôs em posição. -Mas que merda, essa menina tá pedindo para morrer! -E assim, ele pulou pelo buraco, correndo para alcançá-la e a seguindo pelo resto caminho.
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Em um quarto abafado e repleto de poeira, um pequeno baú descansava sobre um pedestal baixo, no meio do cômodo, uma luz fraca vinda de pequenas rachaduras e buracos o iluminando. A tentação de abri-lo é grande, mas não podemos nos esquecer que não passamos de observadores por aqui.
Escondido na escuridão, um vulto de proporções descomunais vigiava o objeto. Até agora a pouco, estava dormindo, um sono que durara milhares de anos. Um sono que poucas vezes fora interrompido pela mesma sensação de alerta que ele sentia agora.
Talvez fosse azar, como todos os outros que passaram por ali. Talvez fosse o destino daquele tesouro, que finalmente iria se realizar. Ou azar.
O que importava no momento é que ele tinha de se preparar, para o que quer que fosse.
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Alice e Hans foram obrigados a parar na frente daquela porta dupla. Feita em ouro maciço, os detalhes em formato de nuvens pareciam girar em torno do único enfeite em comum entre as duas metades, que era um grande Sol. Provavelmente, aquela era a tranca.
—É, acho que não dá para passar. -Hans falou, dando de ombros. -Acho melhor...
A verdade é que Alice não estava escutando nenhuma dessas palavras. Estava ouvindo, mas entrava por um ouvido e saia pelo outro. Aquela força que ela sentia, aquela voz que ouvia chamar por ela...
Colocou uma das mãos abertas sobre o ouro, querendo passagem. Mas, ao que parecia, a única forma de entrar era...
—Vamos arrombar. -A garota o cortou, encarando o bloqueio com um brilho determinado nos olhos e fechando os punhos na altura do peito.
—Você não pode estar falando sério! -Ele exclamou surpreso com aquela ideia. Uma das sobrancelhas tremia em um tique nervoso. -Isso é o dobro do seu tamanho! -Completou, indicando para a porta com os braços.
Alice levou uma das mãos ao queixo e fechou os olhos, pensando. Hans observou-a, como quem observa um louco no auge da insanidade. Ela de repente abriu os olhos com o mesmo ar determinado e apontou para Hans.
—Você arromba. -Anunciou a sua conclusão.
Você é louca de achar que eu vou ter esse trabalho para abrir uma porta para você!
Garotos, nunca se esqueçam: O cavalheirismo é algo que vocês irão precisar muito no futuro. Não sigam o exemplo dele, a menos que queiram se livrar da garota. Eu sei, não tem nada a ver com a história, mas é só para deixar claro.
—Mas, Hans... -Alice franziu as sobrancelhas e fez um beicinho. Com o olhar mais pidão que conseguia fazer, encostava os indicadores enquanto pensava no que iria dizer. -Você não tem nenhum wapen aí que tenha poder para isso? Talvez um daqueles lá que você falou que podem “chamar” monstros...
—Bem... Tenho... -Hans desviou o olhar para a porta de ouro. Repassou todos os guardiões que tinha, mas nenhum parecia ser forte o suficiente para isso. -Mas não acho que eles irão servir de alguma coisa.
—Por favor, só tenta! -A jovem morena correu para a frente dele e juntou as mãos, implorando com o olhar e o tom de voz. -Se você tentar, eu...
—Você...?
—Eu deixo você em paz pelo resto da viagem! -Alice terminou, com um suspiro derrotado. -Talvez até vá embora, mas... Eu preciso saber o que tem do outro lado!
Hans pensou por alguns minutos. Ela parecia mesmo desesperada, e ele até que ajudaria por -não muito- boa vontade só com aquilo. Mas o simples pensamento de uma possível volta à mesma liberdade com qual acordara naquela manhã...
—Sai de perto que eu vou arrombar essa coisa, nem que seja na marra! -O rapaz se pôs a frente de Alice e a colocou mais para trás, conseguindo espaço o suficiente para poder se mover com segurança.
Passou as mãos pelas várias correntes que trazia consigo, procurando o que lembrava representar o maior monstro entre sua coleção.
Alice se sentou sobre uma pedra, que um dia fez parte do teto, e observou extasiada enquanto Hans pegava a corrente que tinha detalhes que lembravam ligeiramente um leão e o colocava no chão, bem a sua frente.
A jovem tentou se lembrar de todos os adjetivos e substantivos que conhecia para poder descrever a sensação que ela teve ao ver aquilo. Mas a única coisa que ela pensava era Uau. Então, o que ela viu foi, basicamente, Uau.
O estalido de um metal se quebrando ressoou pelo local, antes que a forte luz conseqüente da invocação a cegasse por um tempo. Quando olhou de novo, se deparou com uma figura dourada que era duas vezes maior do que Alice e Hans juntos.
Um leão. Ou, pelo menos, lembrava muito um.
Alice olhou surpresa Hans fazer movimentos como que quisesse forçar contra algo, mas sem sair do lugar e sem encostar-se a nada. O leão, por sua vez, repetiu os movimentos, forçando contra a porta de ouro.
Uma, duas, três tentativas. Logo a tranca não agüentou a força e se permitiu quebrar, fazendo então as portas se soltarem e ficarem entreabertas.
O animal sumiu e, em seu lugar, reapareceu aquela mesma corrente, no mesmo lugar que Hans a havia deixado. O rapaz respirou fundo, ligeiramente cansado, e a pegou, guardando-a novamente com as outras.
—Uau... -Foi a única reação de Alice àquilo tudo. Será que, algum dia, ela iria acabar se acostumando com isso?
Afinal, Hans se comportava como se aquela fosse a coisa mais normal da vida.
E talvez realmente seja.
—Vai entrar ou não? -Ele perguntou, arqueando uma das sobrancelhas prateadas. -Vai me dizer que amarelou agora...
Alice se levantou em um salto e foi na direção do portal. Com um simples empurrão, a porta se abriu por completo, permitindo que a jovem pudesse ver o interior daquelas paredes.
Ou, pelo menos, o máximo que aquela luz mínima permitia.
Ela foi correndo na frente, na direção daquele pedestal. Era aquela caixa que estava gritando por ela? Era aquela caixa que a havia chamado até aquele lugar deplorável e ao mesmo tempo muito maneiro?
Hans olhava cada canto daquele lugar enquanto Alice hesitava ao andar para aquele objeto. A poeira estava bem acumulada, e, de alguma forma, o teto daquele lugar resistiu bem mais que o do corredor. Só algumas rachaduras e pequenos buracos iluminavam o local.
Mas, por tudo o que era mais sagrado, que fedor do inferno era aquele?
Chutou algo que fez um barulho estranho. Parecia algo oco caindo em cima de outra coisa oca. Olhou para baixo, mas não conseguiu identificar direito o que era. Abaixou-se, estreitando os olhos verdes para ver o que era.
E só percebeu que havia chutado um esqueleto quando estava com uma caveira em mãos.
Assustado, ele só retirou o olhar sobre o que um dia foi um ser humano quando sentiu uma bufada em seu cabelo. Lentamente, foi levantando o rosto para saber o que era aquilo e ficou mudo.
Mas o que dizer em uma situação como aquelas? Talvez não existam palavras para descrever o medo que ele sentiu ali.
—Puta merda, fudeu tudo.
É, ou isso. Até que ele é bom.
Afinal, ele estava cara a cara com a porra de um dragão.